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domingo, 20 de janeiro de 2013

IGUAIS ODIANDO IGUAIS

Pretendia
seguir hoje
com o
segundo artigo
sobre “A
controvertida
ferrovia”. Porém, diante de um fato que
assisti na quarta-feira, julguei oportuno
comentar o assunto, antes que ele esfrie na
fraquíssima memória popular. Na quarta-
feira, saí de casa às 14 horas para ir ao
banco. Na esquina de minha casa com a
avenida Carmindo de Campos deparei-me
com um intenso tiroteio entre policiais e um
sujeito de capacete que corria na minha
direção. Foi alvejado nas costas. Os policiais
militares o algemaram a ponta-pés e o
colocaram na viatura.
Segui adiante e vi no estacionamento do
supermercado Modelo uma van branca, que
os dois tentaram assaltar, rodeada de pessoas
e um motoqueiro baleado no chão, sangrando
nos estertores da morte. Do lado, a moto em
que ambos estavam. Este foi o fato. De
repente 10 viaturas e uns 40 policiais
tomaram conta do espaço, e mais tarde uma
ambulância do Samu. Um auê!
Isso é rotina e por si só não justificaria
que escrevesse um artigo a respeito. O que
chamou a minha atenção foi o imenso apoio
de toda aquela gente aos policiais, palmas e
cumprimentos, além de gritos como “muito
bem”, “bem feito”, “menos dois”, “parabéns
policiais”, etc. Isso me impressionou, porque
a maioria era gente trabalhadora que
provavelmente mora nos mesmos bairros dos
assaltantes. O que se viu ali foi ódio e uma
sensação de justiça feita contra gente fora do
padrão de honestidade social. Percebi muito
ódio dentro da sociedade.
Fiz questão de olhar pra cara dos dois
assaltantes. Ambos, moços. Soube depois que
tinham 28 e 31 anos. Ouvi comentários no
estacionamento e na fila do banco. Apoio total
à morte dos dois assaltantes pelo que ela
representou como justiça. Ficou claro que
aquelas pessoas detestam semelhantes como
aqueles, a maioria seus iguais: moram nos
mesmos bairros, são classe trabalhadora, em
nada diferentes daqueles dois baleados. A
diferença mesmo, apenas a conduta ruim
deles.
Olhei o que estava dentro da viatura
policial baleado e algemado debaixo de um
solão da tarde. Cara de apavorado. Não era
para menos. Aambulância demorou muito, e
ele lá. Foi muito xingado pelas pessoas que o
olhavam. Pensei sobre a vida dele. Aos 28
anos, deve ter abandonado a escola pública lá
pelos 12 e caiu na rua, levado pelo próprio
ambiente e sem apoio da família
desestruturada. Na escola não ficou e isso não
incomodou a ninguém. Foi preso uma
primeira vez, solto, conheceu o ambiente de
delegacia policial, depois a prisão juvenil, o
tal de Pomeri, uma excelente escola de
aprimoramento para o crime.
De lá, saiu e continuou a assaltar,
traficar e Deus sabe o que mais. Foi para
penitenciária concluir a pós-graduação depois
do Pomeri. Saiu sabendo usar armas, a se
organizar para atuar no crime. Viveu
certamente uns 16 anos nessa vida até ser
parado por uma bala nas costas. Se não
morrer, vai sair da prisão e voltar à mesma
vida criminosa. Passaram-se os 16 anos desde
que abandonou a escola e caiu na rua. Nesse
tempo, ninguém preocupou-se a dar-lhe uma
formação e um rumo decente na vida, apesar
de ter passado pela escola pública, pela
delegacial policial, pela prisão juvenil e
depois pela penitenciária. Aquele moço
baleado é um produto construído pelo sistema
público frio, ineficaz, indiferente e cruel.
De tudo, acho que o mais doloroso foi
ver pessoas xingando um sujeito algemado,
baleado dentro de uma viatura policial, com
cara de apavorado. E semelhantes odiando um
semelhante, assim como cuspindo
xingamentos com o outro morto no asfalto.
Iguais odiando iguais!
ONOFRE RIBEIRO É JORNALISTA EM MATO GROSSO
ONOFRERIBEIRO@TERRA.COM.BR

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