Assim que iniciei minha vida profissional em Cuiabá fui
designado para administrar o Hospital Colônia de Alienados do Coxipó da Ponte.
Era o único hospital existente no Estado, ainda não dividido, para atender pacientes
de um território com mais de um milhão e duzentos mil quilômetros quadrados.
Pelo nome oficial do hospital estadual, senti o preconceito com relação a esses
pacientes, chamados de loucos. O hospital possuía apenas dois médicos, e
ninguém sabia o número de internados. Era uma verdadeira prisão de seres
humanos. Os pacientes em surtos psicóticos eram colocados em celas e
acorrentados. Mais de 40 anos são passados desde aquela época. O Estado foi
dividido e, mesmo com o seu território menor, a situação dos pacientes piorou.
Além dos discursos, das promessas e das placas de inauguração, não vejo nenhuma
providência concreta por parte do governo para minorar o sofrimento do doente
psiquiátrico, família e amigos. O nosso Estado tem um déficit alarmante de
psiquiatras, tanto no interior quanto na capital. Um atendimento mais
humanitário a esses pacientes envolve investimentos em recursos humanos
multidisciplinares e espaços físicos adequados. Sem esse binômio, é impossível
falar em tratamento humanizado na saúde pública mental. Recentemente o presidente
Obama fez uma reestruturação da saúde pública nos Estados Unidos para iniciar
em 2014. Ele constatou que nos presídios americanos existem mais de meio milhão
de pacientes psiquiátricos necessitando de ajuda. Com o fato agravante de que
as instituições carcerárias não estão preparadas para esse atendimento. O caso
do doente mental em nosso Estado é problema da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República. Os nossos loucos são ‘tratados‘ pior que os
animais. Estes, pelo menos, têm associações atentas para quaisquer maus-tratos sofridos
por eles. O louco só é lembrado quando, abandonado pelos órgãos públicos,
sociedade, família, entra em crise psicótica e comete um ato chocante. Recentemente
tivemos alguns casos por aqui. Esses doentes mentais foram conduzidos a um
presídio sem as mínimas condições para prender sequer um assassino ‘normal‘, que
dirá para entender o surto psicótico de um pobre ser humano desassistido. Em
médio prazo não vejo nenhuma providência governamental para cumprir a Constituição
Federal, que assegura saúde a todos, com medidas para, pelo menos, minorar esse
sofrimento - que não é apenas do paciente, mas de toda a sociedade. Nossa
preocupação no momento é com as obras atrasadas
da Copa do Mundo, e sem recursos financeiros para a sua conclusão.
Faltam psiquiatras em Cuiabá, especialmente na rede pública de saúde. Sobram
OSS e outras decorações estatísticas, para tentar encobrir o que vemos
perambulando pelas ruas da cidade. Doentes correndo risco de morte e cidadãos
sujeitos a serem vítimas de um surto psicótico. Pergunto: diante desse silêncio
criminoso, a quem apelar? ‘Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível
aos olhos.
GABRIEL NOVIS NEVES É MÉDICO EM CUIABÁ E ESCREVE EM A GAZETA
ÀS QUINTAS-FEIRAS. E-MAIL: BORBON@TERRA.COM.BR
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